quarta-feira, 24 de outubro de 2018

O azar do serralheiro Bairrão e da sua família em Ansião

passado de uma terra são as  estórias verídicas de azar e fortuna das suas gentes.Encontrei uma crónica no Livro Ansião Passagens do Passado do saudoso César Nogueira apesar de não indicar a altura em que ocorreu vali-me do conhecimento das personagens para a centrar na década de 30 (?) antes da instalação da luz eléctrica só aconteceu em 1938, em que o azar bateu à porta de um serralheiro oriundo de Bairrão dos lados de Figueiró dos Vinhos, a ditar-lhe a alcunha em que se perdeu uma família em Ansião e o ofício de serralheiro. E o seria bom no ofício olhando à graciosidade do portão.
O portão do quintal onde morou o Bairrão
 «O Manuel da Moita disse: - Tem graça, que ontem quando andava na volta dos lampiões, vi sair daqui de ao pé da porta um vulto...Assim à primeira vista parecia-me o Bairrão. Era assim do corpo dele...Mas estava escuro...Eu não digo que era ele. Só que era assim do corpo dele, e embrulhado num capote.» Equivoco testemunhal do que julgava ter visto sem ninguém para o salvar e à sua família!
O episódio aconteceu numa noite de chuva em que a semelhança do aspecto e do uso de uma capa foi o suficiente para se ver levianamente acusado de um roubo na loja dos Albinos sem qualquer prova, até porque nesse dia tinha ido a Santiago da Guarda fazer um serviço e por a noite acontecer cedo ficou a dormir num barracão do Visconde. Ninguém o salvou apesar de não se ter encontrado o móbil do roubo, nada, vilmente acusado e preso na cadeia de Ansião onde passou o Natal. A mulher do Bairrão devia ser natural de Ansião cujo irmão pagou a caução ao cunhado para o libertar da cadeia no Ano Novo.No livro não é abordado o seu nome, mesmo que o fosse naquele tempo as mulheres não carregavam o apelido dos pais, por isso seria difícil saber de quem se trata, apenas o conhecimento se o autor tivesse mencionado o nome do seu irmão.
 «(...) antes da existência   da iluminação eléctrica pública em Ansião, que só veio a ser instalada em 1938, a vila era nessas noites escuras, uma tristeza.Diz-se aqui em Ansião que a noite Deus a fez Deus a temeu, onde apenas quebravam a escuridão da vila, os lampiões  a petróleo que pendiam dos raros  suportes de ferro existentes em algumas esquinas, só entre a Cadeia e o Alto da Ponte.O encarregado de acender os lampiões era o Manuel da Moita que morava na Rua do Canto. Era um homenzarrão, alto e forte, com uns pézorros que atirava pró lado, umas beiçolas mais em evidência por falta de dentes e uma grande cabeça sempre coberta por uma carapuça que teria resultado dum chapéu a que tinham sido cortadas as abas.Usava uma blusa de riscado, largueirona, atada com um nó sobre a barriga. Porém a caracteristica mais invulgar era de que o Manuel da Moita nunca teve barba.A caraça parecia  pele de sapo, sem um pelo sequer.Faltava-lhe esse sinal de virilidade, mas a mulher teve um filho...Nunca foi homem de andar no campo ou de se agarrar ao pesado. Governava-se na vila, com uns recados, uns fretes, mas especialmente a "acartar" os malotes dos caixeiros viajantes que vinham a Ansião visitar os clientes das casas que representavam.Não vinham de automóvel, como é evidente, e chegavam ou de madrugada, na camioneta do correio vinda de Pombal  com destino à Castanheira, ou à tarde, na mesma camioneta no seu retorno a Pombal.À espera destes viajantes estavam o Manuel da Moita e o Pêgo. que a troco da paga respectiva, lhes conduziam os malotes prá pensão onde se hospedavam, e nos dias seguintes os acompanhavam de loja em loja, sempre transportando as malas, às costas ou no carroço de mão.Figuras interessantes esses caixeiros de praça.Os tais viajantes, animavam as pensões e à noite ficavam pelos cafés, do Alfredo ou do Fundo da Rua, e contavam anedotas, historietas e traziam novidades, mais ou menos verdadeiras, que aqui ainda não tinham chegado.Eram homens vividos, viajados, que faziam boa companhia e eram quase a razão de ser das modestas pensões existentes...(...)Certa noite , dias antes do Natal Manuel da Moita que durante o dia estava ao serviço dos viajantes à noite acendia os lampiões. A chuva de esgravanadas não o deixava sair de casa e acabou por sair um pouco mais tarde do que o costume armadilhado com a vasilha do petróleo e os apetrechos para começar na esquina da Cadeia, depois foi acender a da travessa da Hermínia, seguida da Fonte da Praça, da esquina do Franco e todas as demais.Quando estava a acender o da esquina do Guimarães, no seguimento da farmácia, viu um vulto enrolado num capote junto da loja dos Albinos. Certamente estava acoitado da chuva debaixo do telheiro de zinco que existia ao longo de toda a frente da loja...Veio pela Rua de Trás a única pessoa que encontrou foi o carcereiro  Adelino Pimpão...De madrugada levantou-se prá vir esperar a camioneta do correio. Veio um viajante. Levou-lhe as malas prá pensão do Acursito e ao chegar à praça notou um movimento anormal. Descarregou as malas e foi ver o que se passava.Tinha havido um assalto na loja dos Albinos.Mais de 20 peças e mais artigos, xailes de oito pontas, cachinés e tudo do melhor...O Manuel da Moita disse: - Tem graça, que ontem quando andava na volta dos lampiões, vi sair daqui de ao pé da porta um vulto...Assim à primeira vista parecia-me o Bairrão. Era assim do corpo dele...Mas estava escuro...Eu não digo que era ele. Só que era assim do corpo dele, e embrulhado num capote. O Albino mandou chamar os guardas campestres para irem a casa do Bairrão Serralheiro, ele tem um capote e mora ali na estrada nova, actual Rua Dr Domingos Botelho de Queiroz com entrada pelo portão ao lado da casa onde morou o Dr Melo. O Bairrão tinha ido a Santiago da Guarda  fazer um trabalho e acabou por dormir num barracão do Visconde o que levantou mais suspeitas.E o Bairrão foi preso na cadeia de Ansião.A mulher caiu na cama doente.As filhas deixaram de ir à fonte só saindo para comprar alguma coisa pr'a comer.E a mais nova não quis ir à escola, porque os outros miúdos faziam pouco dela.Passou o Natal na Cadeia e só foi solto na véspera de Ano Novo, sob fiança.Dias tristes naquela família..Chegou a feira dos Pinhões em janeiro...um tendeiro, de fazendas, que se instalou junto das grades da igreja.Antes de abrir a loja o Sr Albino foi dar uma volta à feira e reparou quando se vinha embora em duas peças de padrão igual às que lhe tinham sido roubadas.Reparou melhor e, mais baixo, mais duas peças, dum outro padrão,também iguais, fez-se comprador para as apreciar, ao ouvir o preço percebeu logo que havia gato se as tivesse comprado no armazém seria mais cara do que pedia e puxou pela fita de nastro onde na peça se aponta os metros e lá estava a sua letra...Disse-lhe ponha esta peça de lado que vou chamar o alfaiate e ficou apartada.Foi chamar o guarda campestre para testemunhar a ocorrência.Valeu ao Bairrão a descrição de quem tinha vendido as peças ao tendeiro usava bigode, era o alfaiate do Moinho das Moitas.Um achadiço que aqui aportou há 2 a 3 anos e na altura distribuiu uns panfletos "Ansião Progride" abriu uma nova alfaitaria etc etc...e assim ganhou a alcunha Ansião Progide. O Bairrão era de um homem que veio dos lados de Figueiró dos Vinhos onde houve ferrarias foi chamado ao Tribunal para ser informado que o processo tinha sido arquivado. O logista Albino visitou-o e tentou indemniza-lo. Era tarde porém.A vida do Bairrão tinha sido destruída. A mulher faleceu pouco depois e ele com as filhas mudaram-se para Bairrão e a mais velha foi para Lisboa" .

Há uma história narrada pelo escritor Júlio Dantas , no seu livro Abelhas Doiradas, escrito em 1920 travada com o Mestre pintor Malhoa e o irmão do Regedor de Bairrão transcrita pelo Padre Manuel Ventura Pinho que transcrevo, por a achar deliciosa.

MALHOA E O PAINEL DAS ALMAS DO BAIRRÃO - FIGUEIRÓ DOS VINHOS
O Mestre pintor José Malhoa  tal como outros amigos pintores naturistas vieram a escolher Figueiró dos Vinhos para viver. O Mestre Malhoa construiu um pequeno chalet que se chama "o Casulo".
Uma história narrada com muita graça do escritor Júlio Dantas:
«Uma bela manhã, em Figueiró dos Vinhos, estava Malhoa, com as senhoras, em volta da mesa do almoço, quando a criada anunciou o irmão do regedor de Bairrão, que insistia em falar ao artista. Mandaram-no entrar. Era um homem de quarenta anos, cara de Páscoa, tisnado do sol, jaleca de Saragoça, polaina, varapau, um barrete vermelho de campino a rolar nas mãos felpudas:
- Ora com sua licença!
O mestre perguntou-lhe o que queria. O homem coçou na cabeça, engoliu em seco, olhou em volta as senhoras, gaguejou, riu e acabou por dizer:
- Vocemecê é que é o Senhor Pintor Malhoa?
- Sim senhor. Que é que você quer?
- Queria saber quanto vocemecê leva por pintar umas alminhas do Purgatório para a esmoleira de estrada.
E, lanzudo, desconfiado, hesitante, a face curtida a arrepelar-se num tique nervoso, o zambujo ferrado de estaca no sovaco, contou que fizera aquela promessa às almas se não lhe morressem dois bois que andavam doentes. O barbeiro da terra tinha-lhe pintado um painel por oito tostões – um ror de dinheiro ! - mas não estava obra acabada. Fora então que o irmão do regedor se lembrara de encomendar a obra ao Senhor Malhoa, que, por muito mal que a fizesse – dizia ele – sempre a havia de fazer melhor. O artista ouviu, acabou de enrolar o cigarro, e, perante o assombro de sua esposa, disse ao homem que aceitava a encomenda e que viesse dali a oito dias buscá-la.
- E quanto é que custa?
- Isso, nós veremos depois.
Passada uma semana, o homem lá veio, calça nova e pescoceira branca domingueira, bateu à porta, entrou, estacou de boca aberta diante de um painel das almas que era uma maravilha, (Malhoa pintara-o com todo o seu talento, sem lhe tirar o sabor da ingénua imaginária popular) e, coçando com ambas as mãos a cabeça chamorra, destampou, aflito:
- Valha-me o Senhor Santo Cristo, que isto vai para mais de oito tostões!
O artista tranquilizou-o. Não era nada. Ofereciam ambos aquele presente às almas do Purgatório. O pobre homem, com o suor do júbilo a empastar-lhe os cabelos da testa, riu, chorou, dançou, travou do painel, embrulhou-o na manta que trazia, e à saída, abraçando respeitosamente o pintor, disse-lhe a meia-voz, para as senhoras não ouvirem, estas palavras que eram a expressão suprema da sua gratidão:
- Ó Senhor Malhoa, venha daí beber um copo de vinho!
E aqui têm como, na pobre estrada de Bairrão, à poeira e ao sol, se está perdendo um retábulo que é a obra carinhosa de um dos príncipes da pintura portuguesa contemporânea.»

Manuel da Moita
Apelido que vigorou no Escampado da Lagoa, hoje não sei se ainda existe.Adorei a brutal descrição física"era um homenzarrão, alto e forte, com uns pézorros que atirava pró lado, umas beiçolas mais em evidência por falta de dentes e uma grande cabeça sempre coberta por uma carapuça...(...) porém a caracteristica mais invulgar era de que o Manuel da Moita nunca teve barba.A caraça parecia  pele de sapo, sem um pelo sequer.Faltava-lhe esse sinal de virilidade, mas a mulher teve um filho..."
« À espera de viajantes estavam o Manuel da Moita e o Pêgo para "acartar" os malotes dos caixeiros viajantes que vinham a Ansião visitar os clientes das casas que representavam.
Manuel da Moita além da espera destes viajantes governava-se na vila, com uns recados, uns fretes, e ainda encarregado de acender os lampiões o Manuel da Moita que morava na Rua do Canto.»
«os lampiões  a petróleo que pendiam dos raros  suportes de ferro existentes em algumas esquinas, só entre a Cadeia e o Alto da Ponte"» depois foi acender a da travessa da Hermínia, seguida da Fonte da Praça, da esquina do Franco e todas as demais.Quando estava a acender o da esquina do Guimarães, no seguimento da farmácia»  
A travessa da Hermínia?
Seria a esquina do Domingos Carvalho? ou a Travessa da Misericórdia (?) porque depois de acender o lampião seguiu para a Praça do Município onde estava outro na Fonte da Praça  seguindo para a esquina do Franco e,...
Nomes da toponímia antiga; Esquina do Guimarães aqui abaixo à posterior numa foto do espólio do Renato Freire da Paz  em tempo de luz eléctrica ao gaveto da casa com 3 janelas atrás das mulheres . O apelido Guimarães existiu em Ansião e se perdeu com familiares emigrados para o Brasil.
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Quem reconhece estas mulheres da década de finais de 40/50?
A casa dos Albinos
Na foto abaixo na esquerda o prédio mais alto tinha na altura um telheiro de zinco que existia ao longo de toda a frente da loja e aqui na foto já tinha sido retirado veio a ser comprada pelo Sr Pires que continuou o mesmo ramo, seguida da parte final comprada  pelo Sr Diamantino onde montou uma ourivesaria. 
A razão de lhe chamarem "casa dos Albinos"seria o nome do pai e do primogénito (?). Segundo a minha mãe eram dois irmãos solteirões a quem chamavam - a loja dos rapazes. Também era seu património a casa que veio a ser comprada pelo Sr José Morgado e pela esposa D Maria Augusta Abreu que se candidatou ao regime cooperativo instaurado pelo Dr Adriano Rego em Ansião "A casa" quando foi presidente da autarquia.O apelido dos Albinos era "Simões" também tinham uma grande quinta à imediação do cemitério que conheci do " Zé Piloto" quando a vendeu ao meu tio António Freire da Paz.
Desconheço se existe descendência da família dos Albinos em Ansião pela a venda do património, apesar do apelido ter sido comum nos Matos com alguns a emigrar para o Brasil  e no regresso a montagem de negócios na vila. Apelido ainda hoje vivo para os lados do Pessegueiro em que Alfredo Simões, o avô do Carlos Silva do Fundo da Rua com o mesmo ramo sem saber se eram família.
«O logista Albino visitou-o e tentou indemniza-lo. Era tarde porém» A prisão veio precipitar a doença na mulher que veio a falecer pouco depois com a filha mais velha a caminho de Lisboa onde alguém a reconheceu ao lhe perguntar de onde era respondia ser minhota...ele e as outras duas filhas mudaram-se para Bairrão. Conheço uma cabeleireira em Almada com raízes na mesma aldeia de alto e encorpado corpanzil e olhos claros, quiçá com genes da sua descendência (?).
Outra visão da Praça do Município ainda mais antiga que a de cima  pelo mote dado pelas árvores; em cima de tronco mais grosso e copa  frondosa no contraste desta tirada no inverno em que se mostram despidas de folhagem e tronco fino. Os veículos da altura, a camioneta da carreira, duas camionetas em que uma delas de caixa aberta com altos varais e três  carros.
Foto com os Paços do Concelho já ampliados depois de 1937a reportar inicio dos anos 40 com a Placa  que tinha no bico moldura a preto a encerrar a data de conclusão da calçada em calhaus em 1939 e o poste de fios eléctricos na esquerda a reportar que já havia luz eléctrica  instalada em 1938.
Mostra ainda a mansarda no prédio do " Júlio 29" a ditar no meu tempo outros as fazerem com ordem para as retirar à qual jamais cederam para de novo outras se reerguerem!
Rua Almirante Gago Coutinho que naquele tempo se chamava Rua de Trás
O Bairrão Serralheiro viveu à direita no quintal a seguir à casa dos herdeiros do "Sr Júlio 29" com a casa  no quintal com um portelinho para a (Rua  Almirante Gago Coutinho ou do Ensaio) que ainda exibe um belo portão artístico em ferro forjado, teria sido sua obra, cujo quintal também com entrada para a estrada nova a actual Rua Dr Domingos Botelho de Queiroz roteada em finais do século XIX onde ainda existe um portão. Conheci este quintal quando pertencia ao "Armando girafa".
«Os tais viajantes, animavam as pensões e à noite ficavam pelos cafés, do Alfredo ou do Fundo da Rua, e contavam anedotas, historietas e traziam novidades...»
O café do Alfredo Calado sito em frente da praça da fonte de ferro e o café Valente ao Fundo da Rua.
«(...) achadiço que aqui aportou há 2 a 3 anos e na altura distribuiu uns panfletos "AnsiãoProgride" abriu uma nova alfaitaria etc etc ao Moinho das Moitas a ditar-lhe a alcunha "Ansião Progide"
Tempo que a ordem era pautada pelos Guardas Campestres antes da GNR. 
«carcereiro  Adelino Pimpão» Apelido que não conheço em Ansião, apenas em Tomar.No meu tempo era o "Marnifas" sem conhecer a razão da alcunha.

Pensão do Acursito
As duas portas na esquerda da foto a continuar na tradição da antiga Casa da Albergaria da Misericórdia de Ansião.Vendida no principio do século XX por volta de 1903 quando começou a ser construído o segundo hospital da instituição ao Ribeiro da Vide.
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A crónica do César Nogueira mostra-se rica na descrição dos personagens do Manuel da Moita que vivia na Rua do Canto e da sua fisionomia, ainda o Pêgo que teve o mesmo ofício de acarretar as maletas dos caixeiros viajantes da camioneta para as pensões dali para as lojas  e depois de novo para a camioneta, este viveu na primeira Casa da câmara no Bairro de Santo António.

FONTES
Livro Ansião Passagens do Passado do saudoso César Nogueira

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